Política do governo para combate a pandemia é intensificar a exploração dos trabalhadores

É preciso um novo programa, que valorize a vida e garanta o direito a quarentena sem comprometer a renda do trabalhador

Está marcada para as 16 horas desta sexta-feira (3/04) a continuidade da discussão e votação, no plenário da Câmara dos Deputados, da PEC 10/2020, que institui o chamado “orçamento paralelo” para os gastos da união durante essa fase de combate ao coronavírus.

Na última terça-feira (31/03), o presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido) fez um novo pronunciamento em rede nacional sobre a crise do novo coronavírus. Em primeiro momento, o pronunciamento parece uma mudança completa na postura do presidente em relação a fala da semana anterior, tido como desastroso até para apoiadores mais próximos do presidente. Porém, o discurso habilmente costurado por seus assessores para amenizar os impactos das posições criminosas de declarações anteriores não foi o suficiente para segurar o maior panelaço já enfrentado por Bolsonaro desde o início da crise.

Se por um lado há uma mudança no tom do discurso, as medidas protetivas anunciadas pelo governo ainda são completamente insuficientes. O isolamento social, principal recomendação da OMS, não foi sequer citado no pronunciamento. Milhares de trabalhadores do setor industrial, da construção civil, telemarketing e outras áreas não essenciais seguem se aglomerando em seus locais de trabalho e transporte coletivo, num potencial foco de contaminação e disseminação do novo coronavírus.

Mesmo o programa de renda básica emergencial (com auxílio de R$ 600 reais para trabalhadores informais e R$ 1.200 para famílias mono ou biparentais), já propagandeada pelo Governo no pronunciamento, parece longe de ser aplicado. A proposta inicial anunciada pelo Ministro da Economia Paulo Guedes era de R$ 200, mas foi considerada insuficiente pelos líderes partidários que modificaram a proposta na Câmara na quinta-feira (26/03).
Ainda na segunda-feira (29/03), o Senado também concluiu a tramitação do projeto, mas este só foi sancionado por Bolsonaro ontem (01/04), com três vetos. Com isso, o projeto deve voltar às casas legislativas para que os vetos sejam votados, gerando ainda mais atraso na sua implementação. Além disso, a decisão não foi sequer publicada no Diário Oficial da União (DOU), pois Bolsonaro alega que é necessário aprovar uma PEC para a liberação dos gastos antes da publicação. Posição questionada por parlamentares da oposição, que argumentam que o estado de calamidade já permite a liberação de recursos extraordinários.

Fato é, que quem precisa do dinheiro deverá aguardar ainda mais, devido a morosidade do Governo em agir em prol dos trabalhadores ante essa crise. Após a publicação da sanção e tramitação nas casas legislativas, o auxílio ainda dependerá da criação de um sistema pela Caixa Econômica Federal. Segundo o ministro Onyx Lorenzoni, os pagamentos devem começar no dia 10 de abril, para quem já está inscrito no CadÚnico, mas ainda não tem data para os novos cadastros.

Medidas estão longe de garantir o sustento das famílias

Mesmo com o aumento do valor do benefício no Congresso, o valor do programa de renda básica emergencial está muito abaixo do atual salário mínimo (R$ 1.045) e não irá garantir as condições para o sustento dos trabalhadores e suas famílias. Vale lembrar ainda que, de acordo com o Dieese, o salário mínimo necessário para garantir os gastos básicos de uma família de quatro pessoas, no mês de fevereiro, deveria ter sido de R$ 4.366,51.

Este valor precisa ser aumentado significativamente, bem como ser garantido que a sua distribuição ocorra de forma ampla e sem restrições a todos os trabalhadores que estão no mercado informal e que perderam sua fonte de renda. Além disso, outras medidas emergenciais já tomadas por diversos países também precisam ser aplicadas no Brasil com urgência. Como a suspensão dos pagamentos de tributos de estrutura como conta de água e luz; suspensão das cobranças de prestações enquanto durar a pandemia; distribuição de cestas básicas com produtos de primeira necessidade de alimentação e higiene; distribuição de gás de cozinha; subsídios aos pequenos estabelecimentos e aumento e extensão do pagamento do seguro-desemprego.

Qualquer desculpa de falta de recursos por parte do Governo é falsa. Já que segundo estimativa feita pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ), o impacto do pagamento do programa de renda básica emergencial será de R$ 14,4 bilhões mensais e beneficiará cerca de 24 milhões de pessoas. Já para o setor financeiro, apenas no início da pandemia, o Banco Central já anunciou R$ 1,2 trilhão recursos aos bancos (16,7% do PIB), além de outros R$ 135 bilhões em medidas como redução de recolhimentos compulsórios feitos pelas instituições bancárias. Portanto, trata-se aqui de definir as prioridades. É preciso garantir a segurança das vidas e não dos lucros.

Mais um pacote de maldades

Em alternativa à morosidade das medidas protetivas, os ataques aos trabalhadores estão a todo vapor. Primeiro foi a edição da MP 927/20, que flexibiliza normas trabalhistas para o teletrabalho; admite antecipação de feriados e concessão de férias coletivas. A MP ainda previa a suspensão de contratos de trabalho por até quatro meses, mas não indicava como trabalhadores afetados seriam compensados. As críticas ao texto fizeram o presidente Jair Bolsonaro revogar o trecho que autorizava essa medida.

Porém, 10 dias depois, foi publicada uma nova Medida Provisória que retoma a proposta anterior, permitindo a suspensão do contrato de trabalho. A MP 936/20 autoriza empresas com faturamento acima de R$ 4,8 milhões a não pagar o salário do funcionário durante o período da Pandemia. O trabalhador, por sua vez, passará a receber seguro-desemprego, como se tivesse sido demitido. Vale ressaltar que o cálculo do seguro desemprego é de 80% da soma dos 3 últimos salários e que o seu teto é de R$ 1.813,03. A medida representa, portanto, um corte salarial direto ao trabalhador.

Para empresas com faturamento menor que o anunciado, será permitida a redução parcial do salário, desde que também seja reduzida proporcionalmente a jornada de trabalho. Os cortes podem ser de 25%, 50% e 70%. A contrapartida do governo será no mesmo percentual cortado pela empresa, mas relativo ao valor do seguro-desemprego. A MP ainda prevê variações maiores ou menores nos cortes, mas estes devem ser referendados a partir de negociações coletivas com os sindicatos. Segundo dados do próprio Governo, 24,5 milhões de trabalhadores devem ser afetados pela medida.

Apesar de MP ter sido chamada de “Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda”, não há qualquer menção sobre a proibição ou punição para as empresas que demitirem funcionários. A Medida Provisória protege apenas os empresários, que não serão responsáveis pelo pagamento de seus funcionários, mas compromete diretamente a renda dos trabalhadores, justamente no período que precisavam ser mais assistidos.

Ataques podem chegar ao serviço público

A PEC 10/20, assinada pelo presidente da Câmara Rodrigo Maia e líderes partidários, que institui regime fiscal extraordinário para enfrentamento da  pandemia internacional será votada hoje, às 16h. Na quinta-feira (02/04), durante a apreciação e votação da “admissibilidade” da proposta em plenário, o deputado Paulo Ganine (NOVO/RJ) apresentou as propostas de emendas 4 e 5, que suspendem as garantias de irredutibilidade de salários dos servidores, previstas na Constituição Federal – exceto daqueles envolvidos com o combate à epidemia, segurança pública e forças armadas e aposentados – enquanto durar esse período da emergência, determinando uma redução nos salários dos servidores, progressivamente, da seguinte forma:  I- redução de 26% sobre a remuneração bruta mensal entre R$ 6.101,07 e R$ 10.000,00; II – redução de 30% sobre a remuneração bruta mensal entre R$ 10,000,01 e R$ 20.000,00; III – redução de 50% sobre a remuneração bruta mensal a partir de R$ 20.000,01.

O presidente da Câmara tem defendido com frequência a redução de salários de todos os servidores da União, dos Estados e dos Municípios para gerar recursos para o combate ao novo coronavírus. Já o ministro da Economia, Paulo Guedes, argumenta que a redução dos salários dos servidores tem pouco impacto macroeconômico. Mas defende que, para que não haja redução salarial nesse momento, seja aprovada uma medida que congele os salários de todo o funcionalismo pelos próximos três anos.

Governo confunde a população

Apesar da mudança de tom na televisão, nas redes sociais Bolsonaro continua atacando o isolamento social e dificultando o diálogo com os demais entes federativos. Na quarta (01/04), ele postou um vídeo no Twitter em que um homem relata a situação de desabastecimento no Ceasa, em Belo Horizonte. O vídeo foi desmentido pela imprensa local, que mostrou ao vivo que não há desabastecimento na cidade. A postagem foi apagada algumas horas depois com um pedido de desculpas. Apesar disso, o vídeo foi amplamente divulgado nos grupos de apoio Bolsonaristas, o que contribui com a insegurança geral da população diante da crise.

Incentivo a ciência é fundamental

Bolsonaro citou mais uma vez o Hidróxido de Cloroquina como um possível tratamento da Convid-19, mas dessa vez, admitiu que ainda não há eficiência comprovada. O Ministério da Saúde apresentou dados experimentais que mostram que o remédio tem tido resultados positivos no tratamento de casos mais graves da doença, mas que precisa de mais testes para averiguar sua efetividade. Por outro lado, o remédio não deve ser utilizado para casos leves ou para a prevenção, por não apresentar resultados e ainda oferecer grandes riscos de efeitos colaterais.

Na corrida em busca de tratamentos, diagnósticos e interrupção da transmissão, o Governo anunciou que vai investir 50 milhões para financiar pesquisas relacionadas ao Covid-19. Apesar de representar um pequeno avanço, a postura não consegue compensar os sucessivos desinvestimentos no setor de Educação, Ciência e Tecnologia, intensificado brutalmente pelo atual governo.

Só em 2019, o Ministério da Educação (MEC) cortou 6.198 bolsas, o que representou 6,9% das bolsas de pesquisa financiadas pela Capes. Tal política levou ao interrompimento de diversas pesquisas relacionadas a infectologia e virologia que já estavam em desenvolvimento e poderiam contribuir neste momento. Pra piorar, no dia 18 de Março o ministro da Educação Abraham Weintraub editou uma nova portaria que alterou os critérios de distribuição de bolsas para programas de pós-graduação, reduzindo até 50% das bolsas dos cursos com notas 3 e 4, isso afetou programas de pesquisa já em andamento, mas principalmente a possibilidade de criação de novos programas para pesquisa do Covid-19. O que fez o Ministério Público Federal entrar na Justiça contra o MEC, para revogar a portaria.

Essa situação de desinvestimento faz com que o Brasil não consiga produzir seus próprios testes de diagnóstico para o novo coronavírus. Por não possuir tecnologia para a produção de reagentes, a única alternativa é importar. Com isso, o Ministério da Saúde tem defendido que os testes sejam restritos aos casos mais graves de internação, o que gera subnotificação no número de infectados e mais incertezas sobre o crescimento da infecção no país. Especialistas argumentam que, só com a testagem em massa, seria possível amenizar o regime de isolamento social e retomar, aos poucos, a normalidade da atividade econômica.

Combater a crise também envolve repensar a produção

Em um momento de crise é preciso pensar alternativas para situações extremas. Em todo o mundo, fábricas de eletrodomésticos, carros e aviões estão tendo as suas linhas de produção adaptadas para produzir respiradores. O mesmo tem acontecido com fábricas têxteis para a produção de EPIs para o setor médico, como máscaras, jalecos e aventais e na indústria química para a produção de álcool em gel e outros dispositivos essenciais para prevenir a infecção pelo novo coronavírus. Mas é necessário que essas medidas sejam adotadas como políticas de Estado e não com o voluntarismo das empresas.

Da mesma forma, é necessário que os leitos dos hospitais privados estejam disponíveis para toda a população. A construção de hospitais de campanha nos estádios de futebol e centro de convenção são um passo importante, mas não podemos aceitar que exista filas para internação nos hospitais públicos enquanto existem leitos vazios na rede privada. Por isso, todos os leitos de UTI devem ser gerenciados pelo SUS, com o estabelecimento de fila única de atendimento.

Programa para enfrentar a crise:

  • Proibição das demissões;
  • Exigência que as grandes empresas mantenham o salário dos trabalhadores;
  • Garantia de recurso para sobrevivência de micro e pequenos empresários;
  • Garantia pelo estado de pagamento do salário dos trabalhadores das pequenas e microempresas;
  • Pagamento de benefício de pelo menos um salário mínimo a desempregados e trabalhadores informais;
  • Suspensão das tarifas públicas como água e luz;
  • Testes para todos;
  • Investimento em ciência e pesquisa para tratamentos e cura;
  • Controle dos leitos privados de UTI gerenciado pelo SUS e fila única;
  • Redirecionamento da produção industrial para fabricação de respiradores e EPIs de segurança para os trabalhadores da saúde.