Colocar a vida à frente dos lucros é a única forma de salvar a economia

Pronunciamento de Bolsonaro escancara a necropolítica do projeto ultraliberal para o Brasil.

O pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no horário nobre de terça-feira (24/03) estarreceu o Brasil. Na contra-mão das orientações de especialistas, da Organização Mundial de Saúde (OMS) e até mesmo do próprio Ministério da Saúde do Brasil, Bolsonaro fez um chamado à população para que abandonem o regime de quarentena, com objetivo de reaquecer a economia. O presidente ainda criticou o fechamento de escolas, alegando que apenas pessoas idosas sofrem riscos com o vírus e voltou a chamar de “histeria” as medidas tomadas pelos governadores e prefeitos para tentar conter a crise de alastramento do COVID-19.

A postura anticientífica e negacionista de Bolsonaro não é exatamente uma novidade. O presidente já se mostrou adepto de teorias da conspiração em diversos momentos, além de manter sempre próximo de si todo tipo de pensamento obscurantista, como o fanatismo religioso e o negacionismo climático, utilizado para justificar suas políticas anti-ambientais. Mas dessa vez, a postura de Bolsonaro conseguiu levantar a ira até de aliados próximos. Teria o presidente perdido de vez o seu juízo?

Infelizmente, essa não é a hipótese mais provável. A falta de um projeto claro para o enfrentamento da crise gerada pela pandemia do novo coronavírus não acontece porque Bolsonaro é um governante estúpido (embora isso não seja exatamente uma mentira), mas sim porque não há formas de enfrentar essa crise sem contradizer todo o projeto econômico de minimização do Estado e esfacelamento de direitos, que o presidente tem defendido desde o início de seu mandato.

O que tem-se visto em outros países, que enfrentam seriamente a crise, é o reforço do Estado na economia, a garantia do salário, a licença remunerada, os subsídios aos pequenos empresários, a suspensão de contas de serviços de estrutura (como água, luz e gás) e até mesmo políticas que geram uma contradição direta com a ordem capitalista, como a proibição das demissões e estatização de empresas. Mas, Bolsonaro não está disposto a nenhuma dessas medidas, muito menos os empresários que sustentam o seu mandato. Estes, pressionam para que o plano ultra-liberal de Paulo Guedes continue sendo aplicado, custe o que custar, mesmo que isso represente o fim de centenas de milhares de vidas do povo brasileiro.

Antes mesmo do discurso de Bolsonaro, diversos empresários foram às Redes Sociais criticar a política de isolamento social recomendada pelo Ministério da Saúde e as medidas de diversos governadores e prefeitos por decretar o fechamento do comércio, bares, restaurantes e demais locais onde pudesse haver aglomeração de pessoas. Esses empresários passaram a alegar que “os danos à economia seriam muito maiores do que os danos à saúde pública” e que “o trabalhador deveria ter mais medo de perder o emprego do que de ficar doente”. Discurso rapidamente assimilado por Bolsonaro.

A posição que ganhou mais visibilidade foi a do empresário Junior Durski, da rede Madero que alegou  que o país não poderia parar em função da morte de 5 mil ou 7mil pessoas. Mas a postura foi seguida por Alexandre Guerra (Rede Girafas), Roberto Justus (empresário em diversos ramos), Luciano Hang (lojas Havan). Todos eles apoiaram abertamente a candidatura de Bolsonaro e todos os atos de apoio ao presidente.

Assim como Bolsonaro, os empresários utilizam números distantes da realidade. A previsão de 15 mil mortos, como minimizou Justus, ou de 5 mil à 7 mil mortos, como disse Durski, são baseadas em projeções otimistas, caso sejam efetivadas todas as medidas de isolamento social. Segundo Atila Iamarino (doutor em microbiologia pela USP e virologista com pós-doutorado em Yale nos EUA), caso não haja políticas de quarentena e isolamento social de toda a população, o Brasil pode chegar a 1 milhão de mortos, em consequência do colapso do sistema de saúde brasileiro, gerado pela epidemia de Coronavírus.

Enfrentar o projeto neoliberal para vencer o coronavírus

Ao fantasiar números e negar os riscos de um vírus que já matou dezenas de milhares de pessoas pelo mundo, Bolsonaro tenta travestir sua irresponsabilidade em preocupação com os trabalhadores e pequenos empresários. O presidente cita os 38 milhões de trabalhadores autônomos no país, porque sua linha é utilizar o negacionismo para aprofundar o projeto neoliberal e recobrar parte do apoio da classe média, perdido a partir da crise do coronavírus e dos fenômenos dos panelaços. Mas, sem precisar enfiar a mão no bolso para assistir ninguém. Para isso, Bolsonaro diz que os trabalhadores devem escolher entre o salvar seus empregos ou pegar um “resfriadinho”.

Além disso, ao bancar o enfrentamento com a imprensa, os prefeitos e governadores, Bolsonaro busca uma forma de se isentar da responsabilidade da recessão. Ele sabe que a partir de uma ótica econômica neoliberal é impossível passar por essa crise sem danos, mas pode culpar a imprensa e os governadores pela “histeria” e, em conseguinte, pelo colapso da economia.

Por isso, é preciso inverter essa lógica! Há um consenso na comunidade científica que não há outra forma de enfrentar o coronavírus que não seja pelo isolamento social. Mas é preciso criar formas para que as pessoas consigam colocar em prática esse isolamento, sem que haja o comprometimento de outras necessidade básicas de sobrevivência. Assim o governo federal precisa tomar medidas urgentes que garantam a sobrevivência e o poder de compra dos trabalhadores e pequenos empresários. Para isso, é preciso ir além de por fim à política de ajuste fiscal, mas repensar esse modelo econômico, com o fim da Emenda Constitucional do Teto de Gastos.

Em um estado de calamidade, é preciso que seja criadas leis que proíbam as demissões e preserve os salários, que o governo injete dinheiro na economia e conceda subsídios aos autônomos e pequenos comerciantes, que estatize as empresas que ameacem demitir ou cortar salários. É necessário que se faça mais investimentos na saúde, com a construção de novos leitos e a ampliação do SUS.

Mas aí você me pergunta, de onde vai sair todo esse dinheiro? Em momentos de crise que vemos o verdadeiro tamanho da desigualdade, assim os cofres públicos precisam ser abastecidos com a taxação dos lucros dos bancos e grandes fortunas e com a auditoria e suspensão do pagamento da dívida pública, que leva metade do Orçamento Geral da União, todos os anos. No fim das contas, colocar a vida à frente dos lucros das grandes multinacionais e bancos é o que pode salvar a economia.